Numa tenebrosa madrugada de sábado me encontrei perdido no Facebook e em minha timeline brota um post de um amigo falando que estava desesperado pois não conseguia parar de jogar Clicker Heroes. Seu texto parecia um alerta ao jogo que, segundo ele, era um devastador de produtividade. Pelo tédio madruguístico ignorei sua nobre tentativa de me adverter e comecei a jogar pra ver qual que era.
Esse foi meu erro.
Colbert grito histeria
CLICARCLICAREUPRECISOCLICAAR
Fui descobrindo a mecânica nos primeiros momentos e quando percebi estava há dias preso ao jogo. Simplesmente não parava de clicar nos malditos monstros coloridos e upar os meus guerreiros da clicagem. O mais revoltante é que o jogo é só isso. Clicar. EnquantoMetro: Last Light e Shovel Knight amargavam solitariamente na minha conta da Steam esperando seus respectivos reviews, Clicker Heroes consumia a maior parte do meu tempo de jogatina e eu não conseguia entender como clicar e ficar pegando moedinha poderia prender tanto. Mas eu não conseguia parar, eu precisava passar pra uma nova área, destruir aquele chefão colossal que demandava4815162342 cliques. Lá estava eu, com a cara grudada no monitor dia após dia sendo consumido por um jogo tosco e bem simples.
Eu não estava sozinho. Além do amigo que me passou, várias pessoas reclamavam de suas dependências masoquistas ao jogo. Intrigado mas sem parar de jogar, abri outra aba no navegador e comecei a pesquisar sobre como certos jogos podem encarcerar mentes com tanta facilidade. Depois de contar com a ajuda de dois estudantes de psicologia e um psicólogo, deixo aqui o resultado de minha pesquisa.
E não precisei ir muito a fundo pra um dos assuntos mais polêmicos sobre jogos logo vir à tona: o vício.
Clicker Heroes
Aparentemente Clicker Heroes é simples e até infantil.Aparentemente

a químicaGames viciam? Sim.
Mas isso não é tão simples e pra saber como um vício acontece é preciso entender como a mente funciona.
O cérebro humano é projetado para perseguir e obter conquistas. São elas que mantém o equilíbrio emocional e trazem o bem estar necessário para continuar vivendo. Conquistar aquele emprego importante ou aquela ótima nota na universidade inunda o cérebro com dopamina, neurotransmissor responsável pelas sensações de prazer e felicidade.
Da mesma forma, ao fulminar o boss depois de uma batalha épica em Dark Souls ou conseguindo um pentakill perfeito em League of Legends, o cérebro injeta uma boa dose de felicidade e prazer graças adopa (a chamo assim pois somos bem íntimos). Quando a massa cinzenta nota excesso, remove alguns receptores de dopamina como um aviso “Hey cara, que tal sair, ver os amigos, assistir um filme e…VIVER?”. Caso esse limite seja ultrapassado, cada vez mais receptores são removidos e mais dopamina tem de ser fabricada para manter a mesma sensação de felicidade. Mais uma fase. Uma partida. Um boss; E perde-se uma semana clicando em monstros… MALDITO CLICKER HEROES!
Mas não são só as descargas naturais de dopa que influenciam no vício ao jogo. Outro fator de peso são os próprios jogos, cuidadosamente moldados para penetrar a mente humana com facilidade.

parafuso
Ao contrário de uma droga normal, os jogos viciantes tem o controle da quantidade de dopamina recebida e pra evitar que esse impulso de jogar dure só a primeira vez os desenvolvedores utilizam como ferramenta o behaviorismo, um conjunto de técnicas psicológicas que estudam o comportamento humano. Em outras palavras, eles sabem como o indivíduo reage e usam de manipulação psicológica para tornar o jogo mais envolvente.
O primeiro produtor que escancarou a utilização do behaviorismo em jogos foi John Hopson, chefe do departamento de pesquisa de usuários da Bungie. Num artigo estarrecedor escrito em 2001 para o Gamasutra que é claramente voltado para a comunidade desenvolvedora, Hopson, que é Ph.D em ciências comportamentais e trabalhou na produção de sucessos enormes como Halo, Age of Empires e Destiny, esmiúça as principais técnicas do behaviorismo ensinando aos game designers como fazer um jogo que prenda os jogadores, queiram eles ou não.
“Cada contingência é uma combinação de tempo, atividade e recompensa, e existe um número infinito de formas em que esses elementos podem ser combinados para produzir o padrão de atividade que você quer de seus jogadores”.
skinner box
“Em busca de um item lendário, o objeto passará horas em uma caverna escura girando em círculos” COINCIDÊNCIA? EU ACHO QUE NÃO.

Note que ele não usa termos como “diversão” ou “prazer”. Não é o ramo dele. Ao invés disso usa “o padrão de atividade que você quer de seus jogadores”.
As teorias de Hopson usam como base as experiências deB F Skinner, pioneiro em psicologia experimental que descobriu que é possível controlar o comportamento de pequenos objetos de estudo com simples esquemas de estímulos e recompensas. E… Bem… Longe de mim dizer que o Hopson acha que todos nós jogadores somos ratos de laboratório. Só mostro essa imagem a esquerda que ele usou pra ilustrar o seu artigo.
Hopson cita quatro esquemas principais  de contingências, citadas aqui brevemente. Se quiser saber mais do assunto,leia o artigo dele na íntegra.
O primeiro e mais comum é o Esquema de Razão Fixa, que dá recompensas ao jogador sempre que um certo número de ações é alcançado. Você tem que matar vários monstros pra upar um level em MMOs ou juntar pedra pra construir seu castelo em Age of Empires? Isso é um Esquema de Razão Fixa. O mesmo se aplica a quantidade de moedas necessárias para melhorar meus guerreiros da clicagem no Clicker Heroes.
Todo jogo que disponibiliza drops aleatórios a cada vez que você mata um inimigo é um Esquema de Razão Variável. Como visto na série Diablo, em Borderlands e uma PORRADA de jogo que usa esse sistema –que se você for parar pra pensar não tem lógica nenhuma, de onde os inimigos tiram tantos itens?! – Hopson salienta que esse sistema é muito bom para prender os jogadores, já que como o sistema é aleatório, os jogadores vivem a expectativa de achar um item lendário numa caverna escura, e lá se vão horas e horas de jogatina. Esse aspecto se assemelha muito como o vicio em caça-níqueis, onde você sabe que a probabilidade de ganhar é ínfima, mas se você ficar ali tempo o bastante vai ganhar algo, por mais que isso custe todas as suas fichas, a sua dignidade e seu amor próprio :( MALDITO CLICKER HEROES, EU SEI QUE UMA HORA AQUELE BAÚ VAI APARECER.
Além dos esquemas de Razão, há os de intervalos e o Esquema de Intervalo Fixo é o primeiro citado, que consiste em recompensas que são dadas com o tempo, independente das ações do jogador. A semelhança com as runas em Dota 2 e o quad damage em Quake 3 Arena não é mera coincidência. OEsquema de Intervalo Variável parece bastante com o anterior, com a pequena mudança no tempo em que as recompensas são dadas. Ambos esquemas de Intervalo, segundo Hopson, são melhores aplicados como contingências de apoio, que servem para escoar a atenção dos jogadores quando não houver algo mais importante para se fazer no jogo.
Entre os casos especiais o que mais me chamou atenção foi o Princípio da Evitação, onde o jogador sempre faz uma ação para evitar que algo ruim aconteça, como ter que voltar frequentemente para a fazenda em Farmville evitando que as plantações estraguem ou no clássico Ultima Online, onde o castelo do jogador começa a ruir caso ele não volte. Hopson diz que esse é um dos esquemas mais efetivos e úteis, pois não é necessário ao desenvolvedor esquematizar um sistema de recompensas já que o jogador trabalhará só para manter o status quo e continuará jogando.
Em outro artigo escrito dez anos depois, John Hopson mostra como o behaviorismo virou uma forte influência na indústria de jogos, chegando ao ponto das empresas contratarem profissionais da área como Mike Ambinder, Ph.D em psicologia experimental que trabalha na Valve e ajudou na construção de Portal 2, que na minha opinião é um dos jogos que mais estupra a sua mente. E falando em Valve, sabe o sistema de conquistas da Steam que logo encontrou similares na PSN e na Xbox Live? Não passa de um grande Esquema de Razão Fixa.

o fator final
Por mais que a dopamina seja um doce néctar para o cérebro e mesmo que existam jogos que são verdadeiras britadeiras mentais não é qualquer um que está vulnerável o bastante para cair no vício. Todas as pessoas saudáveis possuem mecanismos de defesa psicológica que evitam o indivíduo de se perder. O vício em malhar,  jogar e até em fazer sexo seria muito mais comum se não fossem essas defesas. Além disso, o que também influencia o vício e é o problema mais agravante nesses casos é um conjunto de fatores genéticos e de personalidade que fazem algumas pessoas terem uma tendência maior a se viciar. Segundo Gabriela Alencar, psicóloga em formação na UFPB:
Vício é sempre a substituição de algo que está faltando e que precisa ser preenchido
Então quem se perde completamente e definha jogando com certeza já tem vários problemas maiores do que o behaviorismo nos games ou descargas de dopa.
Fica o alerta: se você está passando por isso ou conhece alguma pessoa que passa dias a fio jogando, que perde a noção do tempo, se isola, se torna irresponsável, só tem vida social online e esquece até de necessidades básicas como comer e tomar banho, o apoio dos familiares e amigos e um acompanhamento psicológico profissional é vital para que ela se torne saudável. Procure ajuda (para si, ou para quem for, no caso) e acima de tudo entenda que há algo que falta naquela vida. Dependentes em jogos tem de ser tratados com medicina e compreensão, assim como qualquer dependente químico deveria ser. É por isso que é tão idiota prender quem está viciado em alguma droga. É o mesmo que encarcerar alguém por ser viciado em descongestionante nasal, a diferença é que a droga que eles usam é um escape para diminuir os sintomas de uma necessidade psicológica e social. O mesmo serve para quem se perde nos jogos (tanto eletrônicos como jogos de cartas e caça-níqueis).
Cuide-se! :D
Fonte:Jogo Zera