O futuro imaginado pelo diretor Neill Blomkamp em  ”Elysium” não é dos mais esperançosos: até 2154, segundo o filme, os recursos naturais da Terra vão praticamente se esgotar e o mundo virará um desertão árido, onde só vive quem não tem recursos financeiros para se juntar aos ricos que vivem na estação espacial Elysium.
Como o próprio nome retirado da mitologia grega já diz, Elysium é um paraíso: um mundinho de jardins, piscinas, mansões e tecnologia. Entre elas, uma máquina essencial para a história do filme: uma cama que é capaz de curar qualquer doença, presente na casa de cada cidadão de Elysium.
Enquanto isso, na Terra, as pessoas que sofram e tentem a sorte com medicina tradicional, dita a lógica egoísta dos privilegiados. O que significa, é claro, que a estação sofre constantes invasões clandestinas de  terráqueos com doenças de outra forma incuráveis.
Nesse contexto, Matt Damon vive Max da Costa, um ex-criminoso, tentando colocar a vida nos eixos, quando um acidente de trabalho o expõe a radiação e ele passa a ter apenas alguns dias para viver.
Para conseguir chegar até Elysium, portanto, Damon faz um trato com Spider (Wagner Moura), um hacker e chefão do crime local, trocando uma “passagem” para Elysium por uma missão em que Damon deve roubar um chip de informação de um homem de negócios local (que, por acaso e por justiça poética muito forçada, é o ex-empregador do protagonista).
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Como qualquer filme de ação, algo que começa simples o bastante revela não ser tão fácil assim e, quando a missão dá errado e Max acidentalmente coloca a informação em seu próprio cérebro, ele se acaba se tornando figura central  e involuntária em um golpe de estado.
O filme se desenrola como um thriller de ação, que tenta  ser algo mais: ao construir a história em um mundo dividido em basicamente duas classes, o diretor Neill Blomkamp tenta suscitar uma discussão de questões sociais atuais.
A metáfora é bem óbvia: temos o 1% privilegiado vivendo acima, no espaço, e todo o resto do mundo literalmente se matando, em meio à violência e condições precárias de saúde da Terra.
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E qual o problema com isso?
Bem, imaginem que, de um lado, você tem os oprimidos do bem; do outro, os opressores do mal e nada no meio.
Quando você constrói uma metáfora para um problema atual dessa forma, a crítica perde um pouco da efetividade, porque é um modelo tão distante da realidade.
Em uma história como Elysium, você  tem um vilão claro: um grupo de ricos sociopatas cruéis, conspirando para manter todo mundo na miséria.
Em uma história assim, ao invés de a discussão ser sobre um problema sistêmico do qual todas as pessoas fazem parte, o foco recai sobre figuras específicas que seriam a causa da situação, e  uma discussão com potencial para muito mais acaba virando uma velha história de bem vs. mal.
Eu sei que  qualquer  filme precisa de antagonismo e, em um blockbuster é inevitável que vários aspectos da história sejam simplificados, para manter seu apelo com um público maior. Eu só não consigo deixar de imaginar como teria sido um enredo mais ambíguo(como Wagner Mouradisse em entrevista que era, na versão original do roteiro) e o quão  mais interessante poderia ter sido.
Por exemplo, a história ficaria bem mais complicada, se os ricos fossem ocasionalmente mostrados como pessoas, ao invés de um executivo ser cruel a ponto de quase cuspir no Matt Damon às portas da morte ou a secretária de segurança do “Elysium”, vivida por Jodie Foster, ser praticamente uma psicopata sem vida própria.
Se a política de não-tolerância contra os invasores de “Elysium” idealizada por ela fosse motivada por um desejo de proteger sua população ou sua própria família e isso fosse mostrado como genuíno, acrescentaria um pouco de profundida não só aos antagonistas, mas à interação de classes e ao enredo.
Agora, para não ser totalmente negativa, a parte “filme-de ação” do longa, por outro lado, é boa.
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Depois de Jason Bourne, Matt Damon consegue fazer um herói de ação bastante convincente (apesar de ter uma proeza física meio convincente demais, para alguém que passa o filme inteiro às portas da morte) e com uma personalidade sarcástica legal de assistir.
E o ator Sharlto Copley, como um assassino mercenário e braço direito de Jodie Foster, consegue ser um antagonista à altura: repulsivo, ameaçador e meio engraçado com seu jeitão sujo.
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O filme pavimenta todo um caminho para uma luta final entre os dois e não decepciona, quando a cena de fato acontece.
Minha única reclamação, voltando a bater na mesma tecla, é que eu teria preferido um protagonista menos heroico: Damon começa como um cara com um passado não exatamente limpo que está tentando se reformar e quer sobreviver a qualquer custo. E termina, depois de uma jornada em que ele é atingido por radiação, sofre cirurgia para ganhar um exoesqueleto todo tecnológico, leva uma facada e só apanha o tempo todo, como praticamente o mártir salvador da humanidade. (O que talvez até não seja tão problemático. Se eu fosse a humanidade e precisasse escolher alguém para me salvar, Jason Bourne estaria no topo da lista).
Outra coisa a respeito do longa que foi bastante comentada foi a participação dos atores brasileiros, Alice Braga e Wagner Moura, ambos em papéis secundários, mas relevantes.
Moura, no papel de Spider, o Hacker-chefe-de-crime, consegue imbuir um personagem secundário de trejeitos e tiques de personalidade, que o tornam interessante o bastante. Apesar de o roteiro não dar a ele tanta profundidade própria, eu super assistiria um spin-off do tipo “Spider, o Hacker Contrabandista”.
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Já Alice Braga, no papel de Frey, uma enfermeira e amiga de infância de Max, faz pouco mais do que ser a mocinha indefesa e uma desculpa para dar alguma profundidade emocional pro protagonista. Ela está no filme para nos lembrar de que Max é um cara solitário, mas esse tipo de relacionamento – com Frey e a filhinha dela – o tornam humano e “bom”.
Então, sim, eu sei que ela não é exatamente o foco, mas custa o filme deixar ela matar só um violãozinho menor ou deixar ela se salvar sozinha só uma vez? Só pra ela não ficar sendo um pedaço de cenário cuja única função é gritar pelo Matt Damon, toda vez que as coisas ficam tensas?
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Independente, no entanto, destas falhas em roteiro e personagens,  uma coisa que precisa ser dita sobre “Elysium” é que o filme tem uma cinematografia linda.
Pode não ser o adjetivo mais inteligente para descrever qualquer coisa, mas é o único que vem à cabeça diante de como Blomkamp retrata tudo no filme; da imensidão miserável na Terra ao paisagismo impecável e arranjo meticuloso de cada detalhe na estação Elysium.  Cada frame enche os olhos e parece ter sido pensado com todo o cuidado do mundo.
Para quem não acreditar, eu tenho provas:
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Pensando em todos esses elementos, a conclusão é que, apesar de a crítica central da história não ser tão efetiva pelos motivos citados, eu concordo com esta opinião que Wagner Moura deu em entrevista: é mais fácil quando um cineasta tem a liberdade para fazer o filme cabeça que quiser ou quando ele não quer nada mais do que fazer o “Blockbuster de Ação 4: Ainda Mais Coisas Explodem – 3D”.
Agora, equilibrar o fato de que você quer discutir um assunto mais profundo ou fazer uma crítica social e, ainda assim, entregar um filme de entretenimento de massa? Aí fica o desafio.
Neill Blomkamp não chega a atingir com tanto sucesso esse objetivo ambicioso, mas ele conseguiu uma tentativa bonita, com performances boas, que entretém e que você deveria assistir.